{"id":86,"date":"2012-02-01T00:26:07","date_gmt":"2012-02-01T02:26:07","guid":{"rendered":"http:\/\/ushuaialaska.wordpress.com\/?p=86"},"modified":"2012-02-12T23:46:04","modified_gmt":"2012-02-12T23:46:04","slug":"pilar-do-sul-insolacao-brilhos-no-olhar-e-umas-reflexoes-soltas","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.ushuaialaska.com.br\/pilar-do-sul-insolacao-brilhos-no-olhar-e-umas-reflexoes-soltas\/","title":{"rendered":"Pilar do Sul, insola\u00e7\u00e3o, brilhos no olhar e umas reflex\u00f5es soltas"},"content":{"rendered":"

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Poucas semanas antes de partirmos pra viagem, num dos encontros que tivemos com o Arthur Sim\u00f5es (amigo ciclista que realizou uma volta ao mundo: http:\/\/pedalnaestrada.com.br\/), a Juli, namorada do Fat\u00edcio, reparou sobre ele: “O olho brilha. Parece que t\u00e1 vivo o tempo todo\u02dc.<\/p>\n

N\u00e0o \u00e9 minha inten\u00e7\u00e3o idealizar a viagem de bicicleta: h\u00e1 muito esfor\u00e7o, as vezes (ou muitas vezes) sofrimento mesmo. Uma das primeiras caracter\u00edsticas desse tipo de viagem que reparamos ap\u00f3s s\u00f3 2 dias de pedaladas \u00e9 que aproximadamente 70% do tempo da viagem (na estrada) ser\u00e1 gasto em subidas.<\/p>\n

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Que isso n\u00e3o desencoraje ningu\u00e9m a fazer uma viagem dessas. Nesses primeiros dias, talvez a experiencia mais intensa que tivemos foi comer e beber \u00e1gua (e intensidade \u00e9 a palavra pra essa viagem, pro bem ou pro mal). Poucas vezes um gole de \u00e1gua foi t\u00e3o cheio de sabor; pela ma\u00e7\u00e3 que comemos na estrada eu largava o para\u00edso f\u00e1cil f\u00e1cil; e a banana que rachamos, apesar de eu ser m\u00f3 hetero, nunca entrou t\u00e3o bem no meu corpo (perd\u00e3o\u2026).<\/p>\n

H\u00e1 uma revaloriza\u00e7\u00e3o de quase tudo, e ganha mais valor o que \u00e9 pra n\u00f3s o essencial: \u00e1gua, comida, as bicicletas, o Fabr\u00edcio pra mim (e talvez eu pra ele), a bagagem e equipamentos, os lugares, as pessoas e nossa rela\u00e7\u00e3o com elas. E, claro, as breves mensagens que trocamos com nossa fam\u00edlia e amigos s\u00e3o sempre fortes emo\u00e7\u00f5es, n\u00edvel aguenta-cora\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Hoje o Fat\u00edcio enviou por mim pelo correio quase 6 quilos de coisas que me pareceram menos necess\u00e1rias, pela urgencia de diminuir o peso excessivo da bicicleta: um xilifone infantil pra arrasar no Caribe, tr\u00eas livros, umas bugigangas, e o que me pareceu mais sintom\u00e1tico: as chaves de casa. Da tr\u00edade de ferro que acompanha o corpo de todo morador de uma cidade (chaves, carteira com documentos e grana, e o recente celular, que grudou e n\u00e3o larga mais), superei as chaves, e at\u00e9 o celular j\u00e1 t\u00e1 mais ou menos condenado.<\/p>\n

180 km de pedaladas em dois dias, ap\u00f3s semanas de correrias em S\u00e3o Paulo por bancos, bicicletarias, hospitais para vacinas, lojas, entrega da casa alugada (um stress violento), e horas, horas de pequisa na internet, \u00e9 claro que o choque viria. Na noite de ontem, ap\u00f3s um banho de \u00e1gua morna, troquei o chuveiro pra “inverno” e deixei a \u00e1gua bem quente cair nas pernas pra aliviar a fadiga muscular. Foi \u00f3timo, fiquei at\u00e9 orgulhoso que eu j\u00e1 sabia de algum jeito me cuidar sozinho. N\u00e3o durou meia hora e a temperatura do corpo subiu absurdamente. Fui dormir ardendo em febre, e acordei no terceiro dia com 39,5 C de febre. Tivemos que tirar o terceiro dia pra repouso (por isso t\u00e1 dando pra escrever\u00a0esse texto). Eu j\u00e1 havia tido uma leve insola\u00e7\u00e3o na primeira noite, que n\u00e3o me impediu de nada.<\/p>\n

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Provavelmente, se n\u00e3o fosse pela ajuda do Jos\u00e9 Eduardo Paes, que cruzou de carro conosco na estrada entre Piedade e Pilar do Sul, e em Pilar nos reencontramos e ele fez quest\u00e3o de pagar espetinhos de frango, refrescos, e uma noite num hotel da cidade, eu estaria num perrengue grande por conta da insola\u00e7\u00e3o s\u00fabita. Queria agradecer o Eduardo aqui: seu gesto \u00e9 do tamanho da nossa gratid\u00e3o, obrigado mesmo.<\/p>\n

O viajante de bicicleta em geral inspira a solidariedade das pessoas, talvez at\u00e9 mais do que um caminhante, que pode inspirar medo ou receio de que seja um louco, perdido. Tem sido comum encontrarmos pessoas dispostas a nos ajudar, ou que param pra conversar, perguntar pra onde vamos, de onde estamos vindo. E \u00e9 prov\u00e1vel que a frase mais constante que falaremos ao longo da viagem para as pessoas que encontrarmos ser\u00e1: “voce pode me dar um pouco de \u00e1gua?”. Pra mim, n\u00e3o existe pedido mais “humano” que este, e as grandes cidades (claro que penso em S\u00e3o Paulo) inspiram as pessoas a negarem esse pedido; negar \u00e1gua \u00e9 ao mesmo tempo a express\u00e3o m\u00ednima e m\u00e1xima da maldade com o outro. Espero n\u00e3o passarmos por isso.<\/p>\n

Ent\u00e3o o que faria o olho do Arthur brilhar com tanta intensidade, e que tamb\u00e9m pude perceber no olhar de duas outras pessoas que rodaram o mundo de bike, o Argus e o Antonio Olinto? Vou chutar: sa\u00fade talvez (f\u00edsica, mental, espiritual); ou porque a aten\u00e7\u00e3o deve estar alerta a cada instante, \u00e0 altura do momento, e isso lhes deu a qualidade de uma “presen\u00e7a no presente” pouco comum; ou porque o viajante de bicicleta n\u00e3o \u00e9 um ser totalmente aut\u00f4nomo, depende ainda muito de outras pessoas pra continuar, e ap\u00f3s anos de viagem esses olhares carregam esse reconhecimento; ou porque praticamente todas as escolhas deles durante anos foram definidas por eles mesmos, o que me faz supor que nos momentos em que nos encontramos com o Arthur, o Argus ou o Olinto, eles estavam l\u00e1 porque queriam estar. Posso ficar supondo por horas sobre os motivos dos olhares deles serem desse jeito, mas o resumo \u00e9 que, mesmo com todo o cansa\u00e7o de uma viagem dessas, a escolha deles (e agora tamb\u00e9m nossa) pelas nossas liberdade e vontade, e acima de tudo, pra viver o que se espera da pr\u00f3pria vida, devem mesmo revalorizar o olhar, que, dizem, \u00e9 a janela da alma.<\/p>\n

Hoje, por conta da febre, meu olhar t\u00e1 murcho e cinza. Tentarei melhorar.<\/p>\n

Affonso<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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